Receita fecha o cerco sobre a sonegação em bolsa, e corretoras começam a oferecer serviço que ajuda o investidor a calcular o valor devido
São Paulo - Declarar o Imposto de Renda sobre os ganhos obtidos em bolsa de valores sempre foi um tabu no Brasil. Por absoluta falta de hábito, muitos aplicadores não sabem nem que cabe a eles mesmos calcular e pagar mensalmente o IR, já que, quando decidem investir em outras aplicações bastante populares, como fundos, clubes ou Tesouro Direto, esse imposto já fica retido na fonte. Além disso, outras aplicações como a caderneta de poupança oferecem isenção de IR, o que contribui para aumentar a percepção de que ganhos financeiros não estão sujeitos à mordida do Leão. Para piorar, até muito pouco tempo atrás, a própria Receita Federal não se preocupava em investigar quem sonegava o IR sobre os ganhos com ações, alimentando a cultura da sonegação.
"Mas isso começou a mudar nos últimos cinco anos", afirma Meire Bonfim Poza, contadora da Arbor Contábil. "Os auditores da Receita já começaram a fechar o cerco contra os sonegadores da bolsa". Atualmente, até mesmo os pequenos investidores vêm sendo chamados a dar explicações sobre suas operações com renda variável. Na maioria dos casos, os problemas com o Leão são gerados não por má-fé, mas pela falta de conhecimento sobre como manter seus impostos em dia.
Com o objetivo de fidelizar os clientes, algumas das maiores corretoras brasileiras decidiram ajudá-los a atender as regras do Fisco. Entre as principais iniciativas, estão a disponibilização de uma calculadora que automaticamente calcula o imposto devido e já preenche o documento de pagamento, a Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais). Em geral, os clientes precisam pagar pelo serviço, mas vale lembrar que a legislação só obriga as corretoras a apresentar a seus clientes um resumo das operações realizadas. O cálculo do IR a ser pago sobre os ganhos com essas transações cabe ao próprio investidor.
Em geral, chegar a esse valor pode ser bem simples. Sempre que vender mais de 20.000 reais em ações em um mês, o investidor terá de calcular o ganho líquido com essas operações e recolher aos cofres do governo 15% desse valor no mês seguinte. Mas há diversos complicadores. Muitos investidores realizam dezenas de operações por dia. Em casos de day trade (compra e venda de ações no mesmo dia), a alíquota sobe para 20%. Operações com contratos futuros e derivativos negociados na BMF&Bovespa ou no mercado a termo também estão sujeitos ao pagamento do IR. Perdas financeiras em um mês podem gerar créditos tributários usados para abater o imposto devido no mês seguinte. São esses e outros complicadores que levam muita gente à malha fina.
Calculadoras do IR
Braço da BMF&Bovespa, o Sistema Integrado de Administração de Corretoras (Sinacor), que auxilia na execução de processos administrativos das instituições participantes do mercado, desenvolveu um software próprio para ajudar na declaração do IR. Ele faz a apuração dos resultados através do armazenamento das operações e do cálculo do preço de aquisição e do lucro ou prejuízo. A calculadora do Sinacor pode ser adquirida por pessoas físicas, mas quem tem tomado a iniciativa de comprar o software e disponibilizá-lo para facilitar a vida do cliente são as próprias corretoras - cerca de 50 delas contratam o serviço.
Outra empresa que desenvolveu uma calculadora utilizada por outras instituições é a Mycapital. Através de um contrato de serviços, corretoras como a Ativa pagam pelo uso do sistema e o repassam a seus clientes, de quem cobram uma taxa de 50 reais mensais ou 300 reais anuais. Além deste serviço, a Ativa atua no sentido de educar seus clientes, realizando um atendimento a dúvidas sobre o IR a cada terça-feira, além de oferecer um chat online sobre as obrigações com o Leão.
Já a Gradual Investimentos possui um grande setor destinado exclusivamente à educação de seus clientes sobre tributação. Segundo o gerente de produtos da corretora, Stelio Belchior, além de um hotsite com informações sobre IR - que contém blogs, vídeos e chats semanais -, a empresa também realiza palestras para seus investidores e seus funcionários e realiza o cálculo e preenche o Darf para os clientes com maiores montantes em aplicação com a instituição. Esse serviço será cobrado, mas a corretora diz que ainda não há uma previsão de valor. Outras duas corretoras que prometem lançar serviços semelhantes nos próximos dias são a Icap e a Ágora
De acordo com corretoras, contadores e especialistas, o maior problema na hora de apresentar a declaração à Receita através dos serviços prestados pelas corretoras é no caso de o cliente possuir investimentos em mais de uma instituição. Algumas vezes os clientes também trocam de corretora durante o período em que manteve determinada posição. Nesses casos, não é possível calcular o IR que deverá ser pago e já preencher a Darf automaticamente porque uma única corretora não terá dados suficientes para somar os ganhos e perdas de todas as transações para chegar ao valor do imposto devido. Por isso, o sistema desenvolvido pela carioca XP Investimentos prevê que o próprio cliente preencha a Darf nesses casos. A corretora, que cobra os mesmos valores da Ativa pelo serviço, é bastante conhecida no mercado por investir na educação financeira de seus clientes - e inclui esclarecimentos sobre o pagamento do IR em seus cursos.
Por que não declaram?
O cerco da Receita aos sonegadores da bolsa já pode ser medido em números. No ano passado, aproximadamente 100.000 das 160.000 adesões ao Refis (o programa de recuperação fiscal do órgão) foram de pessoas físicas que obtiveram algum ganho de capital com renda variável, deixaram de pagar o imposto devido e depois buscaram acertar as contas com o Leão. O professor Osvaldo Nascimento, do Centro de Estudos e Formação de Patrimônio Calil & Calil, lembra que a cultura de investimentos de pessoas físicas na Bolsa é recente e cresceu muito rápido. "Houve uma disseminação indiscriminada de aplicações, mas não houve disseminação sobre as obrigações ao se investir no mercado", lamenta.
A BMF&Bovespa, que realiza todas as operações com ações no Brasil, não assumiu a responsabilidade pelo cálculo do IR dos clientes nem se mostrou muito ativoa em esclarecer os investidores sobre as regras da Receita. Recolher o imposto sobre as ações na fonte também seria tarefa impossível, na opinião do professor Nascimento. Segundo ele, o fisco só recolhe uma alíquota de 0,005% na hora da operação para saber qual o volume está sendo movimentado por cada investidor e posteriormente ter como fiscalizá-lo. No entanto, o montante a ser pago ao Fisco só pode ser calculado após o fechamento do mês, o que inviabiliza a tributação na fonte.
A Receita Federal ainda enfrenta a falta de auditores fiscais suficientes com conhecimento sobre o assunto para dar conta da enorme quantidade de pessoas que passaram a ter investimentos na Bovespa e na BM&F na última década. "Este boom nos mercados é recente e a quantidade de auditores especialistas em renda variável é quase a mesma de antes, quando eram poucos contribuintes", explica Nascimento.
Fonte! Chasque de Renato Rostás, publicado no Portal Exame no dia 05 de março de 2010 - http://www.portalexame.abril.com.br/.
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