terça-feira, 17 de dezembro de 2013

COACHING (COUTCHÊ) NUMA ESTÂNCIA DO RIO GRANDE....

O autor do chasque: Chico Fighera
Um empresário que mora em Porto Alegre costuma ir com a família todos os finais de semana para sua estância, que fica no interior do Estado. Num sábado, há alguns meses atrás, chegou bem cedo com a família, dessa vez trazendo um convidado. Tomou uns mates com o Capataz, depois café com a família, e saiu a cavalo para inspecionar as lidas de campo. Na volta, perto do meio dia, pediu ao Capataz que convidasse a peonada para um churrasco, que seria servido depois da Ave Maria (6h). Também pediu que todos trouxessem suas famílias e chegassem um pouco antes, lá pelas 4 horas. 

 Na hora marcada chegaram os peões, esposas, gurizada, vestidos a preceito. O Patrão e a esposa os receberam com simpatia, dando as boas-vindas. Então o Patrão pediu ao Capataz que reunisse a peonada no galpão pra uma roda de chimarrão e uma prosa.


 Peonada reunida, o Patrão começou a conversa agradecendo por terem vindo, pelos trabalhos da semana, pelos resultados que a estância vem obtendo, e apresentou o ilustre convidado:
- Buenas, quero apresentar a vocês o José, um amigo meu, que com certeza também será amigo de vocês. Ele é coach e tem me ajudado muito, tanto na minha empresa como na minha vida pessoal e familiar. Os resultados tem sido MA-RA-VI-LHO-SOS, então pensei em aplicar o processo aqui na estância.


 Houve silêncio no galpão, quebrado pela pergunta do Capataz.
- Patrão, mas o que significa esse tal de coutchê?


 Então o Patrão pediu ao José para explicar a todos o que significava e no que consistia o tal processo. José se dirigiu aos peões:
- Buenas, meu nome é José, sou coach, mas se quiserem falar coutchê tudo bem. Vou explicar pra vocês o que significa o processo de coaching e como funciona. 


 Não se ouvia um pio no galpão, e ele continuou:
- Coaching é um processo que visa ajudar a levar pessoas de um estado de consciência atual (estado presente) para outro estado de consciência melhor (estado futuro), por meio da reflexão interior, buscando respostas no inconsciente e trazendo para o consciente, que determinam as ações para se chegar aos objetivos, num curto espaço de tempo, não necessariamente o tempo do relógio. Pode-se dizer que é um processo de parceria. E Coach quer dizer treinador.


 Um peão comentou baixinho com outro: - Não entendi nada, mas acho que o Patrão tá preocupado que o nosso time de futebol não ganha um jogo das outras fazendas, faz tempo, que resolveu contratar um treinador. Também não entendi esse negócio de não ser o tempo do relógio. Será que inventaram outro aparelho pra marcar o tempo? Sei lá. 


 José se fez de desentendido e continuou: - Na prática, o processo consiste no seguinte: Eu sou o coach e vocês vão ser os coachees. 


 Um peão sussurrou pra outro:

- Coati (ou Quati) deve ser a mãe dele. Se esse cara falar isso de novo vou pegar ele pelo pescoço.
José fez de conta que não ouviu e explicou:

- Coach é um termo em inglês e significa treinador, e Coachee também é uma palavra em inglês que quer dizer treinando, ou quem está sendo treinado. Entenderam? Os peões se entreolharam, meio desconfiados, mas balançaram a cabeça positivamente.

 Então José continuou: - O processo de coaching acontece por meio de sessões entre o coach e o coachee e a primeira coisa pra se fazer uma sessão é estar num lugar seguro. O Patrão já pediu ao Capataz para mandar limpar aquele quartinho que tem ali nos fundos do galpão, colocar duas cadeiras iguais e uma mesinha. É lá que eu vou conversar com cada um de vocês, um de cada vez, a partir do próximo sábado. O Capataz vai informar o horário de cada um e as sessões vão durar entre uma hora e uma hora e meia.


 Um peão tomou a frente e questionou: - Me desculpe seu José, mas aqui na beira do fogo de chão, tomando uns mates, não é um lugar seguro? Esse negócio de ficar encerrado num quarto com o senhor não tá me cheirando bem.


 Não é isso, seu... como é seu nome? disse José.
- Minha graça é Sebastião, mas todos me chamam de Tião.


- Então seu Tião, lugar seguro é um lugar onde vamos ficar a sós, ninguém vai ouvir nossa conversa e tudo aquilo que for dito ficará só entre nós. O senhor entendeu?


 O peão respondeu:

- Bueno, mais ou menos. Vamo vê como é que fica com o andamento da prosa.
Então é o seguinte, disse José: - O processo começa com a gente se sentando um de frente um pro outro, olhos nos olhos um do outro, ou seja, “zoinho no zoinho”, que é pra gente poder se “conectar”.


Foi ele terminar de pronunciar o verbo e três peões levaram a mão no cabo da faca. Tião, mais velho, ficou de pé e falou: - Seu Dotô, “zoinho no zoinho” só com a minha patroa, e esse negócio de se conectá, também só com ela, umas três ou quatro vezes por semana, há trinta e tantos anos que tamo junto. E, Patrão, com todo o respeito que tenho pelo senhor e pela sua família, me dê licença que tenho mais o que fazer.


 O Patrão interrompeu, pediu pro Tião se sentar e disse que não era nada disso, que se conectar era ouvir com atenção (na essência) o que era dito, e “zoinho no zoinho” era olhar bem no fundo dos olhos, quando se pode ler a alma do outro.


 Aí Tião ficou mais cismado:

- Patrão, não quero ler a alma de ninguém e a minha também ninguém vai ler, pois tem coisa que eu não conto pra ninguém, nem pra minha mãe, nem pra minha mulher, nem pro Padre, nem pra... E tem mais Patrão, acho que tô começando a pensar na proposta do Patrão da fazenda do lado, que há tempo vem querendo que eu vá trabalhar com ele.

 Aí a coisa ficou feia, a peonada se alvoroçou, uns já queriam sair do galpão, mas o Capataz pediu calma e o Patrão pediu ao José para procurar clarear as explicações do processo.
José continuou: - Bom, me desculpem se me expressei mal, mas se as minhas palavras não fizerem sentido pra vocês, por favor, mudem as minhas palavras.


 Aí que ninguém entendeu mais nada. 


 Mas José foi em frente: - Se todos concordam, vou mostrar na prática como acontece uma sessão. Como o Patrão já tá acostumado, nós dois vamos mostrar como isso funciona. Tudo bem pra vocês?
Então José colocou duas cadeiras iguais, uma de frente pra outra, sentou numa delas e pediu ao Patrão que sentasse na outra. Explicou aos peões que o Patrão estava sentado na cadeira, de forma que o braço direito estava voltado para um espaço maior, que representa o futuro e o braço esquerdo voltado par o lado menor, que representa o passado.


 Quando ele falou que o primeiro passo do processo era fazer o “Shazan”, a peonada caiu na risada.
A sessão foi se desenvolvendo, a peonada entendendo aos poucos, perguntando, desconfiando, mas quando José falou que num ambiente seguro pode haver a “Cocriação”, aí foi demais. 


 Tião foi o primeiro a meter a mão no cabo do relho e falou:

-  Dotô, Patrão, agora chega! Nóis semo pobre e não temo estudo, mas não semo bobo! Primeiro foi o tal de “zoinho no zoinho”, depois o negócio de se “conectá”, agora essa coisa de “cocriação”. Já falei e repito que essas coisas só com a minha patroa.

 Ninguém conseguiu segurar a peonada no galpão. Com respeito ao Patrão até comeram o churrasco, mas com umas caras que só vendo.


 Pra encurtar a história, depois de 2 ou 3 sábados, o processo foi entendido e iniciadas as sessões de coaching. Passados 3 meses, os resultados começaram a ser alcançados, a lucratividade da estância aumentou sensivelmente, bem como a satisfação da peonada. 


 O processo se estendeu às famílias dos peões, e hoje quando a peonada se reúne para matear ou churrasquear com os companheiros de outras estâncias, a prosa sempre acaba enveredando para o lado do tal de Coutchê, assim como ficou conhecido e chamado o processo de Coaching. Dão muitas risadas de como foi truncado e difícil o começo, mas hoje a paz reina na estância.


Fonte! Chasque (texto) de Francisco Fighera (Chico Fighera), publicado no seu sítio Facebook. Abra as porteiras clicando em https://www.facebook.com/francisco.fighera.

Créditos do retrato: http://www.youtube.com/watch?v=SmxDGDPTND4.

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