Aos 60 anos, o consultor empresarial Max Gehringer orgulha-se por ter o controle do próprio tempo e saber que seu futuro profissional depende apenas dele. Já comandou quadros no programa "Fantástico", tem outro na rádio CBN, dá palestras, escreve livros e é colunista de revistas. Nesta entrevista, ele conta que recebe cerca de 3 mil e-mails por mês que apontam o que preocupa os empregados e os chefes, e é baseado nestas dúvidas que norteia seu trabalho.
Reportagem - Você deixou o mundo corporativo aos 49 anos - no auge da carreira como presidente da Pullman - para se dedicar a escrever, dar cursos e palestras. Por que fez essa escolha numa fase tão produtiva de sua vida profissional?
Max Gehringer - Comecei a sentir uma certa angústia em relação ao que eu poderia fazer nas próximas duas décadas, profissionalmente falando. Eu já tinha chegado mais longe na carreira do que eu sonhava chegar, e algo me dizia que o futuro seria do tipo "mais do mesmo". Quer dizer, eu iria ser presidente em alguma outra empresa, depois em outra, mas o trabalho não mudaria muito. Nessa mesma época, eu já fazia algumas palestras. Uma agente me viu e me ofereceu parceria. Aceitei, e quando percebi que esse ramo era muito mais vasto do que eu imaginava, pedi o boné e passei a palestrar em tempo integral.
E valeu a pena essa troca?
Esses dez anos passaram tão rápido que nem tive tempo de olhar para trás e refletir sobre a decisão. O mais importante, porém, é que tenho um futuro profissional que só depende de mim mesmo. Se eu ainda estivesse trabalhando em empresas, já não teria tanta certeza.
Já se comparou com colegas que continuaram na vida corporativa? Consegue apontar as perdas e os ganhos nessa comparação?
Tenho contato com meus antigos colegas, que continuam com suas carreiras profissionais, e a maioria parece feliz por ter continuado. Uma mudança radical como a que eu fiz é rara e só deve ser feita em duas situações: ou o profissional tem certeza de que vai dar certo, ou é meio maluco para tentar. Eu me enquadro na segunda categoria. Posso até não ter ganho em termos financeiros, mas ganhei em algo que considero mais importante: ter o controle do próprio tempo.
Como é possível ter sucesso profissional e qualidade de vida?
Eu digo que é possível ter uma carreira de muito sucesso e uma excelente qualidade de vida, mas não ao mesmo tempo. Existe a hora de ralar e a hora de aproveitar. A hora de ralar dura uns 20 anos, dos 20 aos 40. É durante esse tempo que tentamos juntar o suficiente para viver bem pelos próximos 50 anos.
Qual é o perfil do executivo dos próximos dez anos?
Atualizado e disponível, tanto em termos de tempo quanto de mobilidade para o trabalho. Hoje, a tecnologia coloca o executivo à disposição da empresa 24 horas por dia, 7 dias por semana. Tem executivo cujo hobby é responder e-mails aos domingos e o celular pode tocar no meio da madrugada. O que espanta os executivos da geração passada é que os jovens executivos do século XXI não reclamam de nada disso. Pelo contrário, eles vivem à beira do estresse e se orgulham dessa condição.
Roberto Justus comandou seis edições do reality show "O Aprendiz" na Record e o próximo será João Dória Jr. É uma tendência os executivos irem para a frente das câmeras?
O formato do "Aprendiz" requer um executivo no comando do programa. O sucesso da experiência mostrou aos executivos que eles têm um novo e vasto terreno a explorar, o da exposição pública. Assim como ninguém é melhor para falar sobre doenças na televisão do que um médico, ninguém é melhor para falar sobre o mercado de trabalho do que um executivo. Isso é um fato.
Você acredita que assuntos relacionados ao mundo corporativo ganharão mais espaço na TV? Já pensou em ter um programa próprio?
Sim, ganharão. Como me disse a diretora do "Fantástico" há três anos, poucos assuntos afetam a tantos brasileiros como o emprego. Se aparecer um convite, eu pondero. Se não aparecer, não vou trás. Acredito que outras oportunidades irão surgir, e vou considerá-las com carinho.
De onde vem essa facilidade em se comunicar?
Um diretor de Redação me disse que eu escrevia de uma maneira que todo mundo entendia. Fiquei em dúvida se isso era um elogio ou uma crítica, e ele me disse que era um belo diferencial. O que eu tento fazer na TV é transformar palavras como net-working em algo acessível a todas as classes. Já quanto ao fato de falar em público, eu só me soltei depois dos 30 anos.
É reconhecido na rua? As pessoas lhe pedem conselhos?
Sim, as pessoas me param, pedem para tirar uma foto, contam da profissão ou simplesmente dizem que gostam de meus comentários. Há casos cômicos, como no Recife. Eu desembarcava no aeroporto e de repente uma mãe colocou um bebê de poucos meses em meus braços. Enquanto eu tentava entender o que acontecia, ela ajeitou a câmera fotográfica e falou: "Essa foto é pra dar sorte quando meu filho tiver idade para começar a trabalhar".
Essas abordagens servem de pauta para palestras, colunas?
Não. São demonstrações de apreço muito bem-vindas, mas minha matéria-prima básica vem de outra fonte, os e-mails. Recebo em média 100 mensagens por dia. No fim do mês, tenho 3 mil histórias acumuladas, o que me fornece uma razoável noção daquilo que preocupa os empregados e os chefes no momento.
Já tem algum novo trabalho planejado para 2010?
Sim, já houve uma conversa sobre um novo quadro para a televisão. Pretendo, ainda, lançar um livro sobre a história e as curiosidades de todas as Copas do Mundo, pois gosto muito de conversar, discutir e, principalmente, de escrever sobre futebol.
Qual será a melhor área de trabalho na próxima década?
Há uma diferença entre "profissão do futuro" e "profissão que vai dar futuro". Muitos jovens se encantam com cursos de nomes chamativos e que têm aquela aura de modernidade. Mas poucos se perguntam qual será o número de formandos e quantas vagas serão abertas. Engenharia Ambiental, por exemplo, é uma profissão do futuro. Mas, de cada dez formandos, nove não conseguem uma vaga na área, porque há mais oferta do que demanda. A mesma coisa ocorre com Relações Internacionais. Já que o Brasil quer aproveitar a maré da globalização, vamos precisar de especialistas em relações internacionais. Mas onde essas pessoas irão se empregar? Uma pesquisa racional evitaria que muitos jovens escolhessem um curso que não lhes dará retorno profissional logo após a formatura. E tudo isso não vai mudar radicalmente nos próximos dez anos. As profissões que mais irão gerar empregos, em relação ao número de formandos, são Engenharia, Informática e Administração. As mais saturadas são Jornalismo, Psicologia e Direito. Quem optar por uma dessas áreas precisará não apenas de um diploma para conseguir um emprego nelas, mas também, e principalmente, da indicação direta de um profissional que atue na área e que tenha poder de decisão.
O que tem a dizer sobre o projeto que propõe a redução da jornada de trabalho (de 44 para 40 horas)?
Um dia, num futuro distante, alguém olhará para o nosso século e dirá: "Sério? Aquela gente trabalhava 40 horas por semana?". Da mesma maneira que hoje olhamos para o Século XIX e ficamos pasmos ao descobrir que nossos tataravós trabalhavam 100 horas semanais. Eu acredito que os empregos efetivos, com carteira assinada, serão substituídos pelo trabalho autônomo, com horário flexível, e que os escritórios e fábricas tenderão a ter cada vez menos gente com horário fixo. Penso que isso será inevitável. Até que um dia, talvez no século XXII, isso não podemos precisar agora, possamos inverter as sagradas escrituras, descansando seis dias e trabalhando no sétimo.
Fonte! Chasque publicado no caderno "Perspectiva 2010", no Correio do Povo de Porto Alegre - RS, edição dos dias 24 e 25 de dezembro de 2009, por Adriana Bifulco e Fabiane Bernardi AE.
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