Para o mercado, inserir a educação financeira na grade curricular brasileira é uma forma de inclusão social.
Por Denise Bueno, para o Valor, de São Paulo
Maria Beatriz tem apenas 4 anos. Ela acaba de fazer aniversário. Ganhou dezenas de presentes. Mas ficou faltando a Barbie Vida de Sereia. Como toda criança, pediu com jeitinho, com choro e com aquela insistência típica dos pequenos. Kelly Lubiato e Paulo Viana encerraram o assunto com uma séria conversa. “Dinheiro não nasce em árvore. Vem do trabalho e precisa ser bem usado”, diz a mãe, que se prepara para receber a segunda filha, Heloisa, nos próximos dias.
A pequena Mabi, como é chamada, tem duas opções: esperar até o dia da criança, data mais próxima para presentes, ou juntar as moedinhas em seu cofrinho. Ansiosa como qualquer outra pessoa que tem um objeto de desejo em mente, Mabi corre para pegar todas as moedas que vê pela frente. E encontra outra regra. “Só pode juntar as moedas de casa, sem pedir para avós, tios ou amigos”, ensina o pai.
Logo ela percebeu que seu sonho de consumo vai demorar um pouco para se realizar. “Mamãe disse que tenho de fazer oito montinhos de dez reais”, diz, curiosa com a lógica matemática. Mal sabe ela que já tem um bom patrimônio num plano de previdência privada desde que nasceu, onde os juros compostos já começam a fazer uma grande diferença. “Na hora certa ela saberá que essa poupança tem um objetivo diferente do dia a dia. É de longo prazo e não pode mexer. Servirá para pagar a faculdade ou um curso no exterior. Se não precisar, melhor. Fica para a aposentadoria”, planeja Kelly.
É exatamente isso que governos e entidades de todo o mundo querem ensinar para a população. Para desenhar esse destino para o Brasil, que caminha para ser a quinta maior economia do mundo nos próximos anos, o governo priorizou a educação financeira. Um dos primeiros passos para tornar realidade o que vinha sendo falado há tempos, desde 2007, foi a criação, por meio de um decreto, do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro (Coremec). Fazem parte desse comitê de fiscalização financeira o Ministério da Educação, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e a recém-criada Previc.
André Saito, pesquisador e professor do Laboratório de Finanças (Labfin) da Fundação Instituto de Administração (FIA), diz que o processo de educação financeira no Brasil tem melhorado ano a ano. Porém, ainda está muito atrás do existente em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o tema educação financeira é obrigatório e faz parte da grade escolar. No Reino Unido é facultativo e entra como tema transversal, ou seja, em matérias tradicionais como matemática, a partir da educação infantil.
Apesar do atraso, os programas brasileiros procuram pular etapas, como, por exemplo, ouvir a opinião da sociedade. O que não foi feito pelos Estados Unidos quando implementou a educação financeira já em 2006.
No ápice do tsunami financeiro desencadeado a partir do fim de 2008, o então secretário do Tesouro americano chegou a declarar que o país demorou para investir em educação financeira. Segundo Henry Paulson, se isso tivesse sido feito antes, a oferta de produtos inadequados por parte dos bancos não teria encontrado tanta demanda na sociedade americana.
Apesar do baixo desempenho do Brasil no que se refere ao assunto, o país se destaca na América Latina por estar trabalhando para incluir o tema nas escolas, diz Saito. A ideia inicial do projeto de lei 3401/2004, já aprovado e encaminhado para discussão no Senado, era inserir a educação financeira no currículo escolar da quinta à oitava série do ensino fundamental e do ensino médio. Mas o debate por enquanto aguarda definições.
Mas o grande desafio é formar o educador, que precisa entender melhor como organizar suas finanças pessoais e usar os produtos financeiros como aliados no crescimento. “Além disso, as escolas já têm desafios demais no dia a dia”, diz José Alexandre Vasco superintendente de proteção e orientação a investidores da CVM.
Segundo Vasco, o treinamento de professores universitários está a todo vapor. São formados grupos de 50 a 70 pessoas, que ficam por uma semana imersos em palestras promovidas pelos integrantes do Comitê Consultivo de Educação, formado pela CVM e um conjunto de instituições atuantes no mercado de capitais. “Sem conhecimento, o investidor pode tomar decisões erradas, o que é ruim para todos”, diz Vasco. Segundo ele, os pequenos investidores mais atuantes e portanto aliados no desenvolvimento do mercado de capitais, principalmente no que diz respeito a denunciar fatos que geram perdas aos acionistas.
Com o objetivo de deixar os cidadãos mais conscientes dos riscos que correm ao entrar na ciranda financeira e desta forma poderem fazer opções mais adequadas, as instituições financeiras se uniram para apoiar um amplo programa de educação financeira. O tema entrou na ordem do dia principalmente depois da estabilidade econômica. “Em menos de uma década a participação do crédito no PIB era de 20%, e hoje é 45% e com viés de alta”, afirma Oswaldo de Assis, diretor executivo da Febraban, que acaba de lançar o portal http://www.meubolsoemdia/. “Sem falar na diversidade de produtos financeiros e no boom do crédito imobiliário previsto para estes anos.”
O acesso aos serviços bancários, principalmente ao crédito, tem se mostrado uma forte ferramenta de inclusão social. “O fato de a pessoa ter condições de acessar o banco, e de o crédito estar chegando a muito mais gente, torna necessário um investimento maciço em educação financeira”, afirma o diretor da Febraban. Nilton Pelegrino, diretor de crédito do Bradesco, é mais enfático. “Costumo dizer que o crédito para a sociedade é como o sangue. Irriga e renova por onde passa. Mas um litro a mais pode levar à morte.”
Na visão da Febraban, que busca levar conceitos gerais de finanças pessoais para a sociedade, a orientação financeira é fundamental nesta nova realidade brasileira. “Temos 23 milhões de pessoas entrando na classe média nos últimos cinco anos. E eles têm muita ansiedade de trazer o futuro para o presente, o que pode causar desequilíbrio no orçamento”. Além do projeto da Febraban, cada banco tem suas próprias iniciativas, bem como investimentos pesados em treinar profissionais que multipliquem o conhecimento financeiro nesta nova realidade brasileira, de taxas de juros mais baixas.
O programa de educação financeira das entidades pode ser dividido em ações para a nova classe média, que começa agora a ter acesso aos produtos financeiros e necessita de esclarecimentos para fazer a melhor opção; para os jovens, numa tentativa de ensiná-lo a poupar um pouco do que ganha; para os aposentados, muitas vezes tentados a fazer sacrifícios para ajudar a família; e para aqueles que já têm um “pé de meia” e que precisam saber investir para garantir rendimentos robustos num cenário de taxas de juros reduzidas e mercado de capitais mais atrativo.
“Uma diferença de R$ 20 pode comprometer um percentual significativo do salário mínimo”, diz Antonio Cássio Seguro, gerente executivo da diretoria de varejo do Banco do Brasil, que lançará um portal de educação financeira em junho. “Ter o nome sujo afeta a saúde, o casamento, o emprego”, afirma Eduardo Jurcevic, diretor de investimentos do Santander, que já realizou 2.120 palestras sobre o tema com 101.230 participantes desde 2003, em sua grande maioria empresas e escolas.
Segundo Roseli Garcia, superintendente do atendimento ao consumidor da Associação Comercial de São Paulo, a educação financeira é uma prioridade da entidade desde 1995. “Os comerciantes querem o consumidor com finanças saudáveis para continuarem sempre clientes”, diz a executiva, que faz mais de 100 palestras por ano.
O primeiro trabalho da associação foi ajudar o consumidor a limpar o nome na praça para poder voltar a comprar a prazo. Agora, o principal trabalho de Roseli é ajudar a população a usar o crédito de forma inteligente. “Meu objetivo é mostrar a eles que não precisa entender de matemática ou de planilha Excel. Basta marcar na caderneta os gastos”, diz Roseli, da ACSP, por onde passam 2 mil pessoas por dia, na maioria dos casos pedindo ajuda para gerir o orçamento familiar. Além dos milhares de internautas atendidos pelo portal http://www.apoioaoconsumidor.com.br/.
Uma das novidades é o treinamento de militares. Para isso, o Banco Central criou um programa básico e simples sobre como organizar o orçamento pessoal e fazer a gestão das despesas e receitas da família. Os primeiros a serem qualificados para multiplicar o conhecimento são os militares da Aeronáutica. O programa, num segundo momento, será levado para a tropa do Exército e da Marinha. Também está em andamento um treinamento aos beneficiários do programa social Bolsa Família.
Na área de seguro, o Sindicato dos Corretores (Sincor-SP) e o Sindicato das Seguradoras do Estado de São Paulo (Sindseg-SP) lançaram o programa Cultura do Seguro em 1992. Um dos principais programas para divulgar o seguro nas escolas é o “Educar para Proteger”. Em 2009 foram apresentadas 3.242 palestras, que reuniram 94.287 alunos. Em 2010, doze palestras foram proferidas para 382 alunos. “O objetivo é sensibilizar jovens sobre a importância do planejamento pessoal e familiar, desde cedo, para a proteção da vida e do patrimônio”, explica Leôncio de Arruda, presidente do Sincor-SP.
Fonte! Chasque publicado no sítio Original 123, no dia 16 de abril de 2010 - http://www.original123.com.br/
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