O
casamento foi acumulando tempo e ódio recíproco. Os outrora apaixonados
tinham se transformado em inimigos íntimos. A separação foi inevitável.
Não tinham filhos, mas adquiriram bens, que precisavam ser divididos. E aí surgiu o campeonato de mesquinhez.
Os
advogados tentavam demover os clientes da opção do litígio exacerbado.
Superados os obstáculos, a partilha estava pronta, os bens divididos e
só faltava a formalização para o fim do processo. Então surgiu um
elemento que, até então, não havia sido mencionado. O Pepe.
Era
um papagaio que fora ganho de um amigo comum. A ave era dos dois e não
havia como dividir. O impasse estava criado. O casal não transigia, cada
qual queria para si o Pepe.
Não bastasse isso, entre outras
divergências havia a futebolística; ela era torcedora do Inter, e ele,
do Grêmio. Ela sustentava que o papagaio gritava “coloraaaadooo”, ele
confirmava a oralidade da ave, mas que seu cântico era “grêêêêmio”.
Essa
particularidade animou os advogados, que convenceram os clientes que a
decisão de quem ficaria com o papagaio, só dependeria do próprio Pepe,
pela sua escolha clubística. Porém, como nenhuma solução é perfeita,
houve a exigência dos clientes de que a manifestação do bicho fosse
feita diante do juiz. Os advogados pensaram em desistir e até renunciar
aos mandatos, mas como o processo estava quase no final e o patrimônio
era interessante, decidiram falar com o magistrado, a quem narraram todo
histórico. Assim conseguiram que o julgador considerasse o esforço
conciliatório e acatasse o pedido. Tudo foi tratado em sigilo e sob
condições antes estabelecidas.
As petições deveriam estar
prontas e assinadas pelas partes e advogados, encerrando o processo
antes da decisão sobre o destino do Pepe, para só depois tratarem da
questão aviária. Para não chamar a atenção, o papagaio deveria ser
conduzido ao foro numa gaiola dentro de uma bolsa.
Colhidas as
assinaturas, a gaiola subiu para a sala de audiências. O Pepe,
estranhando o ambiente, ficou mudo. O constrangimento era grande e o
julgador estava impaciente, quando alguém teve a ideia de mostrar no
notebook alguma imagem de futebol, para que o bicho abrisse o bico e
soltasse a voz.
Naquele momento o grenal matrimonial viveu um
clima de suspense absoluto; o Pepe via cenas de um jogo, e as pessoas à
sua volta acompanhavam suas reações. Foi então que sacudiu as asas e,
imitando aquelas transmissões da Globo nos jogos da seleção, gritou:
- Brasiiiiiiillll!
O juiz, que era bem-humorado, fingiu ter perdido a paciência e bateu na mesa dizendo:
- O casal está separado e a partilha homologada!
Levantou-se, pegou a gaiola, foi à janela, abriu a portinhola e concluiu:
- Concedo habeas corpus para este papagaio!
E o Pepe saiu voando...
Fonte! Este é um chasque de Léo Iolovitch, advogado - OAB-RS nº 6.667, publicado na coluna Espaço Vital, do Jornal do Comércio de Porto Alegre (RS), na edição do dia 16 de julho de 2013.
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