terça-feira, 27 de outubro de 2020

O que era simples ficou complicado

Ficou mais difícil investir a reserva financeira sem exposição ao risco de mercado

Créditos! https://portalcorreio.com.br/

A Letra Financeira do Tesouro, ou Tesouro Selic no Tesouro Direto, deixou de ser um porto seguro para investir a sagrada reserva financeira que não aceita a menor possibilidade de perda. 
 
Quem investe nesse título, diretamente ou via fundos de investimento, observou uma rentabilidade menor do que a esperada nas últimas semanas, ou pior, um inesperado desempenho negativo. 
 
Em 20/10, a rentabilidade dos últimos 30 dias da Selic 2021 foi 0,16%; a 2023 com rendimento quase nulo de 0,02%; a 2025 registrou desvalorização de 0,38%.
 
O que aconteceu? Para financiar o déficit público o Tesouro Nacional foi com muita sede ao pote, fez leilões agressivos, oferecendo uma quantidade surpreendente de títulos. 
 
O mercado reagiu como era de se esperar, pediu prêmio para aceitar o grande volume de dívida que o governo precisa financiar, sinalizando que 100% da diminuta taxa Selic (2% ao ano) deixou de ser suficiente. O mercado pediu mais e o governo pagou. 
 
Ao aceitar vender as letras com desconto para ampliar sua rentabilidade, provocou uma desvalorização no estoque de títulos que estava em poder do mercado. 
 
E acabou criando uma distorção na característica do título, até então de taxa exclusivamente pós-fixada, imune à oscilação negativa de preços. O mais correto seria elevar a Selic que parece estar em nível insuficiente para o tamanho da demanda e percepção de risco dos investidores.
 
Já falei algumas vezes da marcação a mercado, procedimento obrigatório que atribui aos títulos da carteira o valor atual de mercado. Assim, o Tesouro Direto, e os administradores de investimentos coletivos (fundos e planos de previdência), atribuíram aos títulos o novo valor de mercado, menor do que o anteriormente contabilizado. 
 
Por que alguns fundos perderam e outros não? Diversos fatores explicam a diferença. Os Fundos DI, que investem em títulos públicos e privados de taxa pós-fixada foram os mais atingidos. Quanto maior a posição de títulos públicos do fundo, maior o impacto. 
 
Os fundos DI Crédito Privado sofreram menos porque a parcela de títulos privados da carteira não foi atingida, não desta vez, e ajudou a amortecer a queda no valor dos títulos públicos.
 
Outro fator que explica a diferença é o prazo médio dos ativos da carteira do fundo. Quanto maior o prazo (necessário para pagar menos imposto de renda), maior o impacto.
 
Outras classes de fundos de renda fixa que investem em taxa prefixada ou índices de inflação, absorveram bem a estranha novidade.
 
Como evitar? Infelizmente a vida do investidor ficou mais complicada. A melhor forma de reduzir o risco de oscilação de preços sobre os recursos da reserva financeira é investir em títulos de menor prazo. Infelizmente, o letra mais curta que o Tesouro Direto oferece vence em 2025.
 
Depósitos bancários, como o CDB, LCI e LCA, não foram impactados. Como pertencem a um único investidor, não são marcados a mercado, como como os produtos oferecidos mediante oferta pública (fundos de investimento e planos previdenciários), são contabilizados nas condições de compra.
Entretanto, expõem o investidor ao risco de liquidez (quando exige carência) e risco de crédito (com garantia do FGC). Sujeitos ao imposto de renda (no caso do CDB) e ao spread dos bancos, que definem o percentual do CDI conforme o montante de recursos do cliente.
 
Os investidores mais conservadores dirão, com alguma razão, que preferem deixar o dinheiro na poupança apesar da menor rentabilidade.
 
Fonte! Chasque (post) da planejadora financeira Márcia Dessen, publicada no Jornal do Comércio de Porto Alegre (RS), na coluna "Opinião Econômica", na edição do dia 26 de outubro de 2020

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