sábado, 15 de agosto de 2020

Um tiro no escuro

Fé, sorte, acaso, esperança, ingredientes necessários para lucrar investindo em COE

Taxa de juros baixa, investidor preocupado em melhorar sua rentabilidade, contexto suficiente para a criatividade e a oferta de alternativas excêntricas de investimento.

O COE, com estruturas cada vez mais sofisticadas, continua na abordagem comercial dos assessores de investimento. É admirável a capacidade de simplificar operações extremamente complexas, comunicando somente o cenário favorável, omitindo a baixa probabilidade de esse cenário acontecer.

Vale lembrar que o COE é um certificado de uma operação estruturada que tem data de entrada e de saída. Os prazos tendem a ser longos, sem liquidez, ou seja, não é possível sair antes do vencimento.

São várias as modalidades distribuídas no mercado, utilizando ativos subjacentes diversos. O exemplo utiliza uma operação de 48 meses que aposta na alta do S&P 500, um dos índices da Bolsa norte-americana, com rentabilidade mínima garantida entre 10% e 14%.

Olhando para a baixíssima taxa do CDI, José ficou logo animado com a perspectiva de ganhar 10% e ter o capital garantido, ou seja, hipótese de perda eliminada. "Se subir, você ganha, se cair, você não perde", argumento do vendedor que ficou na cabeça de José.

Parece uma proposta interessante, mas não resiste a uma análise mais atenta. O primeiro ponto de atenção que talvez tenha passado despercebido é que a rentabilidade garantida é acumulada, em quatro anos. Se for de 10%, dentro da faixa prometida, significa dizer que ele ganhará a Selic de hoje congelada por quatro anos.

E não é essa a expectativa do mercado. Segundo o relatório Focus do Banco Central de 10/7, a estimativa das instituições financeiras para a taxa Selic, no fim de cada período, é: 2% em 2020; 3% em 2021, 5% em 2022 e 6% em 2022.

Se as estimativas estiverem corretas, a Selic acumulada em quatro anos será ao redor de 17%. Evidente que se trata de um exercício de futurologia e, independentemente da taxa que efetivamente veremos, é baixíssima a chance de que a taxa Selic permaneça no patamar atual pelos próximos quatro anos.

Sendo assim, a proposta perde um pouco do seu encanto. "Ah, mas eu posso ganhar bem mais se o índice subir", pondera José. Verdade, entretanto, a janela de oportunidade é estreita, bem menor do que ele imagina. Mas essa ponderação não fez parte da conversa que tiveram.

Observe a simulação da rentabilidade potencial desse COE de quatro anos considerando três cenários distintos.

Cenário 1: se o índice cair, ou subir entre 10% e 14%, essa será a remuneração de José. Pouco provável que seja superior à Selic acumulada no período.

Cenário 2: se o índice subir entre a remuneração mínima (de 10% a 14%) e o limitador de ganho (de 40% a 50%), a remuneração será a valorização do ativo. Esse é o cenário ideal.

Cenário 3: se o índice subir acima do limitador de ganho, a remuneração será exatamente o limitador de ganho máximo. Ou seja, José fica com parte da valorização.

A janela de oportunidade se abre no cenário 2, e, quanto mais próxima do limitador do ganho, melhor. Importante lembrar que a mensuração do resultado será feita no dia do vencimento da operação. Se o índice atingir a meta antes dessa data, nada acontece.

Ficou interessado? Você dará um tiro no escuro, a quatro anos de distância. O alvo, o SPX Index, deve estar na altura delimitada, nem acima nem abaixo. Tem que ter muita fé em que o índice vai valorizar exatamente nesse intervalo. Talvez não seja uma questão de sorte, de fé ou de esperança, mas de pura obra do acaso. 

Fonte! Chasque (coluna) "Opinião Econômica", por Márcia Dessen, publicado nas páginas do Jornal do Comércio de Porto Alegre (RS), na edição do dia 20 de julho de 2020.

Fonte da arte! Blog Trader Brasil. Abra as porteiras clicando em https://blog.traderbrasil.com/2016/05/02/o-que-sao-coe-certificado-operacoes-estruturadas/

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