Choque de matérias-primas, gargalos logísticos e preços de serviços desafiam BC
Na quarta-feira da semana passada, houve as reuniões do Copom
(Comitê de Política Monetária) do Banco Central brasileiro e do
equivalente norte-americano.
Nosso Copom elevou a taxa Selic em um ponto percentual, para 6,25%,
e avisou que na próxima reunião deve manter o mesmo ritmo de subida. Na
sexta-feira última, foi divulgada pelo IBGE a prévia da inflação de
setembro. Os preços subiram 1,14%, levando a inflação acumulada nos
últimos 12 meses para 10%.
Já o Copom gringo, chamado de Fomc, desenhou o roteiro da
normalização da política monetária. Por lá a inflação também tem subido.
Nos 12 meses terminados em agosto fechou a 5,3%.
Os bancos centrais controlam a inflação elevando a taxa básica de
juros. Do que se trata? O BC é o banco dos bancos. Estes têm uma conta
corrente junto ao BC (no Brasil é um pouco diferente, mas na prática
funciona da mesma forma). A taxa básica de juros remunera no curto prazo
o caixa dos bancos.
Com a fortíssima parada da economia, o BC americano, chamado de
Fed, baixou a Selic deles, chamada de Fed Funds (FF), para zero. Aí não
tinha muito mais o que fazer.
Como estimular a economia se a taxa básica já desceu a zero? Uma
possibilidade é tentar reduzir o juro cobrado nos empréstimos de prazos
mais longos. Para tal, o Fed passou a comprar no mercado títulos de
dívida emitidos pelo Tesouro americano e títulos colateralizados em
hipotecas. Ao retirar do mercado papéis com prazo mais elevado de
vencimento, eleva-se a escassez desses títulos no mercado. Com isso, o
público aceita comprar esses papéis mesmo com remuneração menor.
Atualmente, o Fed tem adquirido mensalmente US$ 80 bilhões de títulos
públicos e US$ 40 bilhões de títulos de hipotecas. O Fomc nos avisou que
até o fim do ano, provavelmente, reduzirá o ritmo de compras e que, até
algum ponto no segundo semestre de 2022, vai encerrá-las.
Adicionalmente, os participantes do Fomc indicam que possivelmente a
taxa básica deles fechará 2022 a 0,25%, 2023 a 1%, 2024 a 1,75% e a taxa
terminal desse ciclo de alta será de 2,5%. Para uma meta de inflação de
2%, resulta em juro real de 0,5%. Por que elevação de juros, aqui e lá,
se a inflação é fruto de inúmeros choques de oferta? Como já tratei
neste espaço, os choques têm sido muito mais intensos e extensos do que
normalmente.
Não apenas a inflação tem subido, mas diversas medidas de inflação
construídas a partir do índice convencional, com o objetivo de captar as
componentes mais permanentes do processo inflacionário, chamadas de
núcleos de inflação, sobem.
Em geral os choques não sensibilizam os núcleos. Não tem sido assim com os choques atuais.
Se os núcleos sobem, há o risco de a inércia inflacionária se
elevar. A maior inflação afeta a formação das expectativas. Segundo o
boletim Focus, pesquisa conduzida pelo BC junto a instituições
financeiras, a inflação em 2022 será de 4,1%, 0,6 ponto percentual acima
da meta de 3,5%.
Além do choque das matérias-primas e dos gargalos de logística, há a
preocupação com o choque nos preços dos serviços. As longas quarentenas
desorganizaram a oferta de restaurantes, hotéis, cinemas, teatros. A
normalização, mesmo que lenta, da vida em sociedade, com a vacinação,
promoverá a reabertura desses setores que têm sido os mais afetados pela
epidemia. Até que a oferta se reorganize, preços subirão. A inflação
dos serviços de 12 meses terminados em setembro foi, segundo a prévia, o
IPCA-15, de 4,46%.
A grande dúvida é se o BC tentará brigar para fazer a inflação
convergir para a meta em 2022, ou deixará essa convergência para 2023.
Não sabemos. Segundo o comunicado da última reunião, a elevação da taxa
Selic para 8,5% é suficiente para a inflação fechar 2022 a 3,7%, 0,2
ponto percentual acima da meta.
Fonte! Chasque (coluna Opinião Econômica) por Samuel Pessoa, publicado nas páginas do Jornal do Comérico de Porto Alegre - RS, edição do dia 27 de setembro de 2021.
Samuel Pessoa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliace e doutor em economia pela USP.
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