terça-feira, 28 de setembro de 2021

Por que sobem os juros

Choque de matérias-primas, gargalos logísticos e preços de serviços desafiam BC
Na quarta-feira da semana passada, houve as reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central brasileiro e do equivalente norte-americano.
 
Nosso Copom elevou a taxa Selic em um ponto percentual, para 6,25%, e avisou que na próxima reunião deve manter o mesmo ritmo de subida. Na sexta-feira última, foi divulgada pelo IBGE a prévia da inflação de setembro. Os preços subiram 1,14%, levando a inflação acumulada nos últimos 12 meses para 10%.
 
Já o Copom gringo, chamado de Fomc, desenhou o roteiro da normalização da política monetária. Por lá a inflação também tem subido. Nos 12 meses terminados em agosto fechou a 5,3%.
 
Os bancos centrais controlam a inflação elevando a taxa básica de juros. Do que se trata? O BC é o banco dos bancos. Estes têm uma conta corrente junto ao BC (no Brasil é um pouco diferente, mas na prática funciona da mesma forma). A taxa básica de juros remunera no curto prazo o caixa dos bancos.
 
Com a fortíssima parada da economia, o BC americano, chamado de Fed, baixou a Selic deles, chamada de Fed Funds (FF), para zero. Aí não tinha muito mais o que fazer.
 
Como estimular a economia se a taxa básica já desceu a zero? Uma possibilidade é tentar reduzir o juro cobrado nos empréstimos de prazos mais longos. Para tal, o Fed passou a comprar no mercado títulos de dívida emitidos pelo Tesouro americano e títulos colateralizados em hipotecas. Ao retirar do mercado papéis com prazo mais elevado de vencimento, eleva-se a escassez desses títulos no mercado. Com isso, o público aceita comprar esses papéis mesmo com remuneração menor. Atualmente, o Fed tem adquirido mensalmente US$ 80 bilhões de títulos públicos e US$ 40 bilhões de títulos de hipotecas. O Fomc nos avisou que até o fim do ano, provavelmente, reduzirá o ritmo de compras e que, até algum ponto no segundo semestre de 2022, vai encerrá-las. 
 
Adicionalmente, os participantes do Fomc indicam que possivelmente a taxa básica deles fechará 2022 a 0,25%, 2023 a 1%, 2024 a 1,75% e a taxa terminal desse ciclo de alta será de 2,5%. Para uma meta de inflação de 2%, resulta em juro real de 0,5%. Por que elevação de juros, aqui e lá, se a inflação é fruto de inúmeros choques de oferta? Como já tratei neste espaço, os choques têm sido muito mais intensos e extensos do que normalmente.
 
Não apenas a inflação tem subido, mas diversas medidas de inflação construídas a partir do índice convencional, com o objetivo de captar as componentes mais permanentes do processo inflacionário, chamadas de núcleos de inflação, sobem.
 
Em geral os choques não sensibilizam os núcleos. Não tem sido assim com os choques atuais.
 
Se os núcleos sobem, há o risco de a inércia inflacionária se elevar. A maior inflação afeta a formação das expectativas. Segundo o boletim Focus, pesquisa conduzida pelo BC junto a instituições financeiras, a inflação em 2022 será de 4,1%, 0,6 ponto percentual acima da meta de 3,5%.
 
Além do choque das matérias-primas e dos gargalos de logística, há a preocupação com o choque nos preços dos serviços. As longas quarentenas desorganizaram a oferta de restaurantes, hotéis, cinemas, teatros. A normalização, mesmo que lenta, da vida em sociedade, com a vacinação, promoverá a reabertura desses setores que têm sido os mais afetados pela epidemia. Até que a oferta se reorganize, preços subirão. A inflação dos serviços de 12 meses terminados em setembro foi, segundo a prévia, o IPCA-15, de 4,46%.
 
A grande dúvida é se o BC tentará brigar para fazer a inflação convergir para a meta em 2022, ou deixará essa convergência para 2023. Não sabemos. Segundo o comunicado da última reunião, a elevação da taxa Selic para 8,5% é suficiente para a inflação fechar 2022 a 3,7%, 0,2 ponto percentual acima da meta.
 
Fonte! Chasque (coluna Opinião Econômica) por Samuel Pessoa, publicado nas páginas do Jornal do Comérico de Porto Alegre - RS, edição do dia 27 de setembro de 2021.
 
Samuel Pessoa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliace e doutor em economia pela USP.

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