Gerson Kauer / EV / Divulgação / JC |
O Clube do Comércio com seu sofisticado Salão dos Espelhos - de
muitas histórias no Centro Histórico de Porto Alegre - tem sua sede
esportiva, na avenida Bastian, bairro Menino Deus. Bem na entrada
existia a Quadra 1, encravada no meio de belas casas do bairro. Ali,
egocentristas tenistas mostravam suas habilidades aos que frequentavam a
ampla área de lazer e a piscina ao lado.
Ao mesmo tempo, esses tenistas incomodavam a vizinhança com gritos
entusiasmados e, o pior, levantando aquela poeira comumente chamada de
pó de tijolo. O saibro não apenas suja as roupas, "tinge-as" com uma cor
alaranjada forte. Na casa vizinha, o pó tisnava cortinas, móveis e as
roupas penduradas. E sujava a piscina, a calçada, as paredes brancas e
os instrumentos de trabalho de uma professora de música e de piano.
Ela pedia e insistia para que a Quadra 1 fosse fechada.
- Bem capaz... - diziam os individualistas tenistas.
E desdenhando, alfinetavam:
- Os incomodados que se mudem...
A incomodada professora e seus familiares não se mudaram.
Contrataram intimorato e criativo advogado - hoje ativo militante no
jornalismo gaúcho - que ajuizou ação de direito de vizinhança para o
fechamento da Quadra 1. No primeiro grau, para alegria dos tenistas, foi
improcedente a demanda. No segundo, houve um voto divergente, que
mandava fechar a quadra. Nos embargos infringentes, a vitória final. Por
quê?
Era dezembro de 1992, véspera do Natal. O advogado chegou à última
sessão do ano do tribunal, com uma bandeja de prata, revestida com um
rico guardanapo branco rendado, e contendo saquinhos de plástico
transparente, cheios de uma substância "cor de tijolo". Em meio à
sustentação oral, ele colocou cada um dos saquinhos sobre uma folha
branca de papel, na frente de cada um dos juízes de Alçada.
- Se Vossas Excelências imaginam que a poeira de saibro não
incomoda, por favor, levantem os saquinhos plásticos - desafiou o
advogado.
Todos os magistrados acederam... e os papéis brancos à frente deles
foram ficando irremediavelmente tingidos. Tintura permanente. Quanto
mais tentavam limpar, pior ficava. O pó se espalhava e a tudo
impregnava. Foi um alvoroço na sala.
Os julgadores que não conheciam o poder sujador do saibro
estranharam o resultado. Na plateia todos se olharam espantados. Eu,
inclusive, que estava lá para assistir o julgamento - porque era tenista
e frequentador das outras seis quadras do clube.
Pois o talentoso advogado fizera um furinho na parte inferior de
cada saquinho, de modo que, ao serem levantados, deixavam escapar o
saibro... e a sujeira estava feita. O fechamento da Quadra 1 foi
determinado por expressivos 7 x 2 votos.
Nos corredores do tribunal, no resto da semana o assunto foi o
"saibro da discórdia". Os profissionais do Direito diziam que a vitória
no julgamento se dera por um fato: o assustador pó alaranjado havia
atingido e tingido também os engomados punhos e os bem cortados
colarinhos das impecáveis camisas brancas de suas excelências.
Por Carlos Alberto Bencke, advogado (OAB-RS nº 7.968)
Fonte! Chasque (post) "Romance Forense", publicado na coluna "Espaço Vital", por Marco Antonio Birnfeld, na edição do Jornal do Comércio de Porto Alegre (RS) do dia 20 de outubro de 2020.
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