Impacto virá com confirmação de mudanças sugeridas pela Aneel, que estão em consulta pública até o dia 30 de novembro
Energia excedente dos painéis solares é repassada
às distribuidoras
para uso
posterior pelos produtores//FREEIMAGE/DIVULGAÇÃO/JC
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Um duro
baque. Assim pode ser resumido como o setor de geração distribuída (produção de
energia pelo próprio consumidor, modelo que se propagou muito no Brasil através
dos painéis fotovoltaicos) recebeu a proposta de revisão da Resolução Normativa
nº 482/2012 referente às regras aplicáveis a esse segmento. A mudança sugerida
pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que se encontra em consulta
pública e receberá contribuições até o dia 30 de novembro, pode reduzir em,
aproximadamente, 60% a economia de quem investe na geração de sua energia
elétrica.
O órgão
regulador trabalhava com alternativas de zero a cinco para mudar as normas
referentes ao segmento, sendo que o cenário zero era permanecer como está hoje,
e o cinco, que foi colocado em consulta pública, o que mais onera a geração
distribuída. Na regra atual, quando a compensação de energia se dá na baixa
tensão, quem possui geração distribuída deixa de pagar todos os componentes da
tarifa de fornecimento sobre a parcela de energia consumida, que é compensada
pela eletricidade injetada na rede. As alterações ao sistema de compensação
propostas, de acordo com a Aneel, equilibram a norma para que os custos
referentes ao uso da rede de distribuição e os encargos sejam pagos. Com as
mudanças, o consumidor de geração distribuída pagará itens como a TUSD (Tarifa
de Uso do Sistema de Distribuição) Fio B e Fio A.
Para
ilustrar, o sistema da geração distribuída funciona como uma espécie de
"bateria", no qual o consumidor joga energia excedente, produzida nos
seus painéis solares, para a rede da distribuidora e depois pega de volta
quando precisa dela (em momentos que não há luminosidade, como à noite ou em
dias chuvosos, quando o painel não está funcionando). Pelas regras vigentes,
hoje, é como se o consumidor pudesse pegar de volta 100% da energia que colocou
nessa "bateria" (a rede elétrica). Contudo, na medida apresentada
pela Aneel, com os descontos dos encargos e taxas, do total da eletricidade que
o consumidor enviou para a rede, ele poderia pegar de volta apenas 43% do
volume (inicialmente, a alternativa cinco previa um retorno ainda menor, de
37%, mas o percentual mudou com o decorrer do tempo).
"É
como se quase dois terços da energia fossem perdidos", compara o advogado
especialista na área de energia da MBZ Advogados Frederico Boschin. Ele adverte
que o que se avizinha para o setor de geração distribuída é bastante drástico.
Boschin comenta que os empreendedores não esperavam que fosse apresentada uma
opção de alteração nas normas tão desfavorável. O advogado explica que, quando
se está fazendo a injeção da energia na rede, é como se fizesse um empréstimo
gratuito que gera um crédito com a concessionária para abater na conta de luz.
Existem custos de transmissão de energia, encargos e perdas, o que resultará,
segundo a sugestão da Aneel, em um pedágio de quase 60%. "O que se está
fazendo é onerar excessivamente a geração distribuída, o que me parece ser um
equívoco estratégico", frisa.
Boschin
comenta que foi feita uma conta obscura, que não leva em consideração os
benefícios da geração distribuída para o setor elétrico como o fato de ser uma
energia renovável e diminuir as perdas com o deslocamento da eletricidade
oriunda das grandes usinas, que estão distantes dos maiores centros urbanos. O
advogado reforça que a situação traz insegurança jurídica para o setor, não
podendo se afastar a hipótese de judicialização da questão.
Empreendedores
criticam proposta
Surpreendido
por uma proposta desequilibrada e que utiliza uma metodologia diferente da
Análise de Impacto Regulatória (AIR) apresentada no início do ano pela Aneel.
Assim define seu sentimento o presidente da Associação Brasileira de Geração
Distribuída (ABGD), Carlos Evangelista.
"A
sugestão divulgada agora não busca o equilíbrio do mercado, e sim a perpetuação
do monopólio das distribuidoras", acusa. Segundo o dirigente, a ideia
atual foi mal vista pelo mercado, por quase todos os agentes, o único setor que
avaliou bem foi o das distribuidoras. Para Evangelista, sem dúvida, se
aprovada, essa medida vai refrear o crescimento da geração distribuída no País.
"As análises que fizemos demonstram que, em praticamente todos os estados,
a geração distribuída fica inviável", alerta. O presidente da ABGD comenta
que o tempo de retorno financeiro com a atividade cresce para 25 anos ou mais
(a média atual no País, segundo a associação, está entre quatro e nove anos).
"Ou seja, vai cair bastante o desenvolvimento das energias renováveis no
Brasil, principalmente na área de micro e minigeração distribuída",
adianta.
Os pontos
críticos da modificação são, conforme Evangelista, levar em conta um cenário no
qual serão cobradas as perdas, as taxas e os encargos de transmissão e vários
outros componentes que a geração distribuída ajuda a mitigar. "Cobrar
transmissão de quem gera a própria energia e injeta na rede, que nem utiliza
esse serviço, é um absurdo completo", avalia. Para chegar em um regramento
adequado para o setor, a primeira sugestão da ABGD é que preservem como estão
as conexões efetivadas antes da publicação da revisão da Resolução Normativa nº
482. Evangelista acredita que ainda é possível sensibilizar a Aneel e fazer
alterações na proposta antes do texto final ser oficializado (que deve ocorrer
no primeiro semestre de 2020).
O
presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica
(Absolar), Rodrigo Sauaia, defende que o desafio do órgão é fazer a conta dos
custos e dos benefícios com a adoção da geração distribuída, colocar na
balança, e alcançar um ponto de equilíbrio. "E não se observou isso",
lamenta o dirigente. Sauaia destaca que a Aneel propôs na consulta pública que
as regras atuais para quem já investiu na geração distribuída (ou seja, para
quem já instalou os painéis fotovoltaicos) vigorem até 2030. O
presidente-executivo da Absolar recorda que a agência falava, anteriormente, em
manter a norma para esses consumidores por 25 anos, e não somente 10 anos.
"O sinal que passa para o mercado é ruim", frisa.
O
dirigente acrescenta que a geração distribuída representa apenas 0,2% dos
consumidores de energia do País. São cerca de 84 milhões de unidades de consumo
no mercado cativo, faturados pelas distribuidoras, e 145 mil consumidores com
geração distribuída. "É meia gota no oceano, por isso mudar a norma agora
é prematuro, é o momento errado", sustenta Sauaia.
Abrandee
ressalta que outros consumidores são onerados com regras atuais
Para a
Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), a
Resolução nº 482 da Aneel, criada em 2012, criou condições extremamente
favoráveis, como a isenção de custos, para o crescimento da micro e minigeração
distribuída. E isso ocorreu em uma época em que os custos das placas
fotovoltaicas eram muito elevados. Entretanto, essas condições extremamente
favoráveis para alguns têm um efeito colateral negativo: parte da economia da
conta de energia de quem instala o sistema é arcada pelas distribuidoras e
depois ocasiona aumento das tarifas de energia elétrica dos demais
consumidores.
"A micro
e minigeração não precisa mais desses subsídios para continuar a crescer",
afirma a Abradee, através de nota. Pela regulamentação atual, os consumidores
que usam a geração distribuída acabam pagando menos pelos serviços das
distribuidoras, embora continuem usando suas redes. Isso significa que os
demais consumidores vão pagar pela diferença, enfatiza a associação. Além
disso, esses usuários ficam desonerados de outros componentes da conta de
energia, como os encargos setoriais.
Se a
regra não for alterada, em, aproximadamente, dois anos, esse subsídio será da
ordem R$ 2,5 bilhões anuais, adverte a Abradee, dado a pouco mais de 600 mil
beneficiados. Segundo a associação, o que se propõe com a revisão das regras é
que os beneficiários da micro e minigeração distribuída paguem, como os demais
usuários, adequadamente pelos serviços prestados pelas distribuidoras de
energia e pelo setor elétrico, evitando, assim, o aumento das tarifas dos
demais consumidores.
O diretor
da Aneel, Rodrigo Limp, destaca que a medida permitirá o avanço responsável da
geração distribuída, que permanece atrativa, sem gerar passivos para os demais
consumidores. "A proposta em consulta reconhece que a geração distribuída
veio para ficar, que a modalidade está crescendo exponencialmente e alcançou a
maturidade; portanto, é tempo de revisarmos o normativo, para, mais adiante,
não termos um efeito colateral negativo ao sistema elétrico", afirma. Os
estudos realizados pela agência indicam que, mesmo com a alteração do regulamento,
o retorno do investimento em geração distribuída continua muito atrativo. O
payback (retorno) do investimento, de acordo com a Aneel, é estimado em quatro
e cinco anos.
Ministério
da Econovia reforça custo da atividade
O
Ministério da Economia produziu um documento chamado Micro e Mini Geração
Distribuída: Perguntas e respostas, em que também ressalta o ônus para os
outros consumidores da rede elétrica devido à prática. O sistema de compensação
hoje em vigor para a atividade custaria ao sistema elétrico mais de R$ 56
bilhões entre 2020 e 2035, de acordo com a pasta. Em valor presente, seria
equivalente a R$ 34 bilhões.
Conforme
o texto do mistério, esse valor seria suficiente para construir mais de 9 mil
creches, ou comprar 180 mil ambulâncias, e, "independente de quem pagará
essa conta (se o usuário de energia elétrica ou o pagador de impostos), isso é
dinheiro que está sendo consumido do bolso do cidadão brasileiro". No
trabalho, a pasta cita o exemplo de um microgerador que produz 500 kWh ao longo
do mês, principalmente nos dias e horários com maior incidência solar. Esses
500 kWh geram créditos que podem ser consumidos livremente em qualquer outro
dia e horário.
O
benefício percebido pelo consumidor é equivalente ao valor da tarifa paga à
distribuidora, que considera todos os custos do sistema: distribuição,
transmissão e geração (centralizada). O ministério enfatiza que cada usuário
que deixa de pagar seus custos, "trocando" créditos por energia
solar, deixa um custo para trás que deverá ser pago pelo vizinho, que não
possui painel fotovoltaico.
Fonte!
Chasque (reportagem) publicado na edição impressa e no sítio oficial do Jornal
do Comércio de Porto Alegre/RS, em 28 de outubro, por Jefferson Klein. Abra as
porteiras clicando em
https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2019/10/709344-retorno-com-geracao-distribuida-pode-cair-60.html
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