sábado, 4 de agosto de 2018

Busca por Status!

O crescimento da riqueza material que o Homo sapiens experimentou nos últimos 500 anos da história é surpreendente. Segundo dados compilados por Yuval Harari, no fantástico livro Sapiens, quando Cabral chegou às costas brasileiras existiam no mundo cerca de 500 milhões de humanos. De lá para cá a população cresceu 14 vezes, o consumo de energia cresceu 115 vezes e a produção cresceu 240 vezes.

Hoje qualquer cidadão da classe média brasileira tem um padrão de consumo muito superior aos mais ricos habitantes da terra quando as caravelas portuguesas chegaram no Brasil.

Em uma palestra em Cambridge dada em 1928, Keynes previa que, se os meios de produção continuassem crescendo 2% ao ano e se nenhuma guerra voltasse a acontecer, o padrão de vida nos países progressistas seria de 4 a 8 vezes superior ao daquela época. Então, o problema econômico seria resolvido em 100 anos quando o homem poderia trabalhar, no máximo, três horas por dia. Nas palavras do filosofo Frank Ramsey, amigo de Keynes os homens alcançariam o “estado de graça” e viveriam em um paraíso terreno.

Mesmo com a segunda guerra mundial e a grande depressão de 29, a produção cresceu acima das estimativas de Keynes, porém, ele errou muito na estimativa das horas trabalhadas. Na época da palestra os habitantes do mundo industrializado trabalhavam cerca de 50 horas semanais, enquanto atualmente trabalham cerca de 40 horas. Valor muito deferente das 15 horas semanais previstas por Keynes.

Atingimos o padrão de riqueza superior ao imaginado, porém, estamos longes do “estado de graça” onde, nas palavras de Keynes, o homem retomaria alguns dos princípios mais corretos e indiscutíveis da religião e da virtude tradicional, onde a avareza é um vício, a usura é uma ofensa e o apego ao dinheiro é detestável. Infelizmente o estado de graça não chegou e hoje, mesmo diante da enorme riqueza que os humanos desfrutam, ainda temos um quarto da população vivendo na miséria e uma população extremamente rica trabalhando longas horas para continuar acumulando riquezas sem fim. Segundo a lista de bilionários da Forbes de 2018 os 50 homens mais ricos do mundo acumulam um patrimônio de dois trilhões de dólares.

Um estudo da Oxfam com base em informação do Credit Suisse mostra que os 42 maiores bilionários mundiais concentram a mesma quantidade de dinheiro da metade mais pobre da população global. No Brasil, os cinco maiores bilionários possuem o mesmo que a metade mais pobre e, surpreendentemente, nos Estados Unidos da América, maior economia do mundo, os três maiores bilionários têm uma renda equivalente a 80 milhões de pessoas, o que equivale a metade da população mais pobre daquele país.

E como resolver esta situação? A solução que parece mais óbvia, dividir a renda dos mais ricos entre os mais pobres, só tem gerado mais pobreza. Então, seguimos a velha receita de mais crescimento econômico. É inegável que o crescimento econômico tem melhorado a situação, entre 1980 e 2016, a metade mais pobre do mundo se apropriou de 13% da riqueza gerada pelo crescimento, porém, o grupo 1% mais rico ficou com 27% do crescimento da renda global.

Mesmo injusta, a equação do crescimento econômico faz sentido para os mais desprovidos. Um chinês, indiano, brasileiro ou norte americano que trabalha duro para colocar comida na mesa e dar educação para os filhos não está preocupado com o enriquecimento do topo da pirâmide, o que ele quer é poder trabalhar e desfrutar das melhorias que o seu trabalho lhe proporciona.

Mas aí aparece uma questão interessante, como o sistema econômico consegue fazer com que um cidadão que já consegue satisfazer suas necessidades básicas e dar conforto e segurança para sua família trabalhe 40 ou 50 horas por semana? Porque as previsões de Keynes quanto ao tempo de serviço não foram confirmadas?

A explicação pode vir de um livro escrito pouco antes da palestra de Keynes, Theory of the leisure class, do filosofo/economista Thorstein Veblen. Veblen criou o termo consumo conspícuo, que é o consumo para nos diferenciar dos nossos semelhantes e este, ao contrário das nossas necessidades físicas, é infinito.

Existem bens que melhoram a nossa vida por suas qualidades intrínsecas, são os chamados bens democráticos. Uma macarronada, quando estamos com fome é um exemplo, se todas as pessoas do mundo pudessem comer a mesma macarronada em nada mudaria o prazer que sentimos ao saciar nossa fome.

Já um relógio ou uma bolsa de luxo de marca reconhecida internacionalmente tem como principal valor não suas qualidades intrínsecas, afinal de contas um relógio Richard Mille e um Swatch marcam a mesma hora. O que os bens de luxo fazem é demonstrar o poder econômico e a posição social dos seus proprietários frente aos demais humanos, por isto, são chamados bens posicionais.
Podemos nos satisfazer dos bens democráticos, porém, os bens posicionais geram necessidades infinitas, afinal de contas, mesmo alguém como vários bilhões de dólares ainda pode trabalhar duro com o objetivo de subir algumas posições na lista da Forbes.

Atualmente vivemos uma exacerbação do valor dado aos bens posicionais, visto que, além de mostrar nosso status social e nosso poder econômico para as pessoas que estão próximas ainda ampliamos enormemente o alcance da nossa capacidade de exibição através das redes sociais.

A busca insana pelos bens posicionais impede que as pessoas que já tem possibilidade de satisfazer suas necessidades de bens democráticos possam utilizar todos os ganhos de produtividade para poder reduzir o tempo de trabalho. Trabalhamos cada vez mais arduamente para comprar bens que nos diferenciem dos demais. Estamos em uma corrida infinita que infelizmente tem gerado mais insatisfação e frustração do que aumento da satisfação com a vida.

Para piorar um pouquinho mais, resolvemos aceitar que pessoas nos digam o que é bom e o que não é. Saímos constantemente em uma loca corrida em busca do melhor do mundo, o melhor vinho, o melhor hotel, o melhor relógio o melhor restaurante e por aí vai. Disto advém as detestáveis bucket list, ou listas do que fazer antes de morrer. Somente na Amazon, são mais de cem livros com listas do que fazer ou ter antes de morrer incluindo o tragicômico “199 Cemeteries to See Before You Die”, talvez o de número 200 tenha ficado de fora para ser a derradeira morada do leitor.

Antes de convertermos todo nosso tempo para ganhar dinheiro em busca de bens posicionais, devemos pensar que tempo pode ser convertido em dinheiro, porém, converter dinheiro em tempo pode ser impossível.

Buscar uma vida mais simples e andar com uma carga menos pesada provavelmente vai lhe trazer mais retorno em satisfação com a vida do que entrar na infindável e preliminarmente derrotada batalha por status social.

Jurandir Sell Macedo. É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


Fonte! Chasque de Jurandir Sell Macedo, publicado no sítio oficial da Revista RI (Relação com Investidores), edição 222, de junho de 2018. Abra as porteiras clicando em https://www.revistari.com.br/222/1354

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