Em ação trabalhista, a reclamante postula a nulidade da sua despedida por justa causa. Trabalhara como atendente de creche e fora despedida a pretexto de ter agredido fisicamente uma criança que estava sob os seus cuidados.
Na audiência de instrução são ouvidas três testemunhas: duas da reclamante e uma da reclamada. Os presentes constatam que há sensível divergência entre os depoimentos.
As antigas colegas de trabalho da reclamante tinham atestado a qualidade profissional dela. E a testemunha da creche era pessoa humilde e disse ter presenciado as agressões. Tal pessoa já havia assinado o termo de depoimento, quando o juiz - analisando fisionomias - teve um “estalo” e pediu:
- Sente-se, por favor. Quero interrogá-la sobre mais algumas coisas.
Seguiu-se um diálogo tipo pingue-pongue.
- A senhora tem certeza do que disse?
- Tenho.
- A reclamante agrediu, mesmo, uma criança?
- Agrediu!
- Mas as outras moças que trabalhavam na creche disseram que a senhora trabalhava na cozinha, longe do local onde teriam ocorrido as agressões...
- Sim, é isso.
- Mas, então, como a senhora presenciou a agressão?
- Eu trabalhava lá, doutor.
Nesse momento, o advogado da reclamante, interrompendo o juiz, pede a palavra.
- Eu gostaria de fazer um questionamento. A depoente efetivamente assistiu a tudo, com os seus próprios olhos, ou alguém lhe contou?
- Eu fiquei sabendo.
- Por quem?
- “Por primeiro”... - e deu forte ênfase vocal na expressão.
- Como assim? A senhora pode nos explicar? – o juiz interveio.
- Por primeiro, antes de todos. Chamaram eu e mais duas colegas e nos levaram lá no escritório do doutor, esse doutor aí – a testemunha indicou o advogado da reclamada.
- E daí? – perguntou o magistrado, antes mesmo que o advogado da empresa ousasse se manifestar.
- E daí eu fui chamada “por primeiro”. Ele me falou o que eu tinha de dizer no dia da audiência. Eu não sei se a audiência é hoje, né, mas eu soube “por primeiro”, sim, isso é verdade, doutor! – denunciou, olhar aflito para o advogado que a havia instruído.
Este exibia uma face em tom que variava do carmim ao roxo, ora passando pelo branco-todo-vontade-de-sumir.
Claro que a sentença - proferida na própria audiência - desconstituiu a justa causa. A creche não recorreu ao TRT.
Fonte! Chasque publicado na edição de hoje do Jornal do Comércio de Porto Alegre - RS, por Marcos A. Birnfeld, na sua coluna "Espaço Vital".
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