Focada nas classes C e D, Hinode cresce e incomoda as gigantes Natura e Avon
Cosméticos.
Empresa familiar, criada há quase 30 anos em garagem da zona norte de
São Paulo, viu receita crescer 15 vezes em três anos e deve fechar 2017
com R$ 2,6 bilhões; presidente credita ‘salto’ ao marketing multinível,
modelo usado por Amway e Herbalife.
Foi em locais como Paraisópolis, na zona sul de São Paulo,
que a marca de cosméticos Hinode empreendeu um impressionante processo
de expansão de números: desde 2014, em meio à maior crise econômica do
País, a empresa viu tanto seu faturamento quanto o total de revendedores
subir na casa de 1.400% – cerca de 15 vezes. Apostando no poder das
classes C e D, a Hinode fechará 2017 com 750 mil consultores e receita
de R$ 2,6 bilhões. De mera desconhecida, passou a séria ameaça a
gigantes da venda direta, como Natura e Avon.
Hoje vista como concorrente a ser combatida, a Hinode –
“sol nascente”, em japonês – teve origem humilde: foi criada por
Adelaide e Francisco Rodrigues na garagem da casa da família, no bairro
Lauzane Paulista, zona norte de São Paulo, há 29 anos. “Usávamos duas
mangueiras de soro e a estrutura de uma caneta Bic para encher vidros de
perfume”, lembra Sandro Rodrigues, primogênito dos fundadores e
presidente da Hinode.
Família. Os fundadores Adelaide e Francisco, sentados, e os quatro filhos, que hoje ocupam os principais cargos da Hinode
Foto: Tiago Queiroz/Estadão
A empresa
prosperou nos primeiros anos, mas logo estacionou em patamar modesto,
com faturamento de R$ 8 milhões ao ano – suficiente para dar conforto
aos Rodrigues, mas pouco para tornar a marca relevante. O caminho
escolhido para o “salto” do negócio foi o marketing multinível, em que
revendedores são remunerados não só pelas próprias vendas, mas também
pelas vendas das equipes que formam e das equipes formadas por seus
indicados – um caminho não livre de polêmicas.
Demorou,
porém, quase 20 anos para que a ideia fosse concretizada: a primeira
inspiração de Sandro veio numa reunião da americana Amway – que usa esse
mesmo conceito –, em 1991, mas a implantação na Hinode só ocorreu em
2008. Apesar da certeza do caminho, ele se revelou árduo: a receita logo
caiu 90%. Nos três anos seguintes, a família foi obrigada a vender bens
para sustentar a empreitada. “Tive de reunir os diretores numa sala e
pedir para eles reduzirem o salário pela metade.”
Em 2012, quando a empresa só tinha caixa para sobreviver
por três meses, Sandro se deu conta do problema durante uma reunião: os
antigos vendedores não tinham o perfil para o modelo multinível, que
exigia líderes de equipes. Foi aí, segundo ele, que a sorte da Hinode
começou a virar.
Velocidade. Desde então, a empresa
manteve o pé no acelerador. Neste fim de semana, reuniu 40 mil pessoas
em São Paulo – além de consultores brasileiros, trouxe centenas do Peru e
da Colômbia, mercados que começou a abrir no último mês. A convenção
anual também serviu para lançar 80 novos produtos, que vão se somar aos
500 itens já existentes.
Para se descolar da imagem de “emergente”, a Hinode deve
encerrar em breve a venda de perfumes similares a fragrâncias
estrangeiras, que foi o esteio do negócio por muito tempo. A empresa
também pretende dobrar suas franquias para mil unidades em cinco anos – a
meta é adotar um padrão uniforme para a rede.
A expansão da Hinode já faz as líderes de mercado
olharem atentamente para ela – conforme fontes do setor, Natura e Avon
já observam as estratégias da “novata” ao definir seus planos.
Procuradas, as duas empresas não quiseram comentar.
Um consultor que já atuou na Hinode pondera, porém, que o
embate entre estratégias intuitivas e soluções de mercado é um dos
desafios do negócio, especialmente em marketing e design de produtos. Um
parceiro definiu o negócio como “carente de profissionalização”, mas
com a vantagem da tomada ágil de decisões, concentradas nos quatro
filhos dos fundadores – Sandro, Crisciane (diretora de vendas)
Alessandro (marketing) e Leandro (operações).
A busca da sofisticação é um dos objetivos de Sandro,
que não quer apenas tornar suas marcas mais conhecidas, mas também
disputar clientes no embate direto com Avon, Natura e O Boticário. Para
2018, o investimento em marketing deverá ser bem mais pesado. Uma nova
agência de publicidade já foi contratada para reposicionar a marca e
“furar” o bloqueio para conquistar a classe A.
Marketing. Muita gente, quando ouve
falar em marketing multinível (ou de rede), logo pensa num esquema de
pirâmide – em que a “corrente” de pessoas uma hora se quebra, causando
prejuízos aos últimos entrantes. Na definição de economistas, porém, um
negócio se caracteriza como pirâmide quando sua renda vem mais da
captação de revendedores do que da venda de produtos.
No Brasil, há alguns casos de experiências malsucedidas
no marketing de rede, incluindo a Amway, nos anos 1990. O consultor
Marcelo Pinheiro, da Direct Biz, diz que a americana talvez tenha
chegado ao País cedo demais, quando ainda não existia uma cultura
empreendedora por aqui. “O negócio ruiu porque todo mundo recrutou gente
para trabalhar, mas ninguém vendia nada.” Segundo Pinheiro, há casos
extremos, como a Telexfree e a BBom (de alarmes de carros), que captavam
consultores para vender produtos que não existiam em quantidade
suficiente para atender à demanda gerada.
Nos EUA, uma empresa com décadas de tradição no
marketing multinível teve a reputação colocada em xeque. O investidor
Bill Ackman apostou US$ 1 bilhão na falência da Herbalife, de
suplementos e shakes para emagrecimento, que classificava como uma
pirâmide.
A saga é mostrada no documentário Betting on Zero
(disponível no Netflix), que mostra uma vida nababesca de alguns
consultores e prejuízos que o negócio teria deixado, especialmente em
comunidades de imigrantes latino-americanos. Apesar do barulho de
Ackman, a Herbalife segue em frente – suas ações hoje são negociadas a
US$ 68, não muito abaixo da máxima histórica de US$ 81,80.
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