A
decisão de comprar um carro geralmente é razão para longas e calorosas
conversas. Esse tema desperta nos brasileiros emoções capazes de alterar
seu comportamento e, principalmente, os parâmetros usados na hora de
decidir ou não pela compra. Será que isso também acontece com outras
compras? Pense nestas situações:
- Você já cogitou comprar um tênis três números acima do seu apenas porque tem o mesmo preço?
- Com R$ 100 para gastar em vestuário, já ficou em dúvida entre uma camiseta, uma calça ou 20 pares de meia?
- Precisando de uma chave de fenda para apertar parafusos, você já foi a uma loja e acabou voltando com um martelo?
- Ou, ainda, ao olhar para os martelos disponíveis, optou por um apenas porque tinha os adesivos “Adventure Sport” ou “Exclusive – Eco Movement”?
Poderíamos ir longe nesses exemplos aparentemente bizarros. No
entanto, esses casos não são tão distantes da realidade ao pensarmos no
comportamento das pessoas na hora de escolher qual carro comprar.
“Como assim?”, você pergunta.
Sim, observamos muitas confusões em relação aos
motivos pelos quais as pessoas decidem comprar um determinado carro.
Basicamente, muitos se esquecem de pensar em suas necessidades
(presentes e futuras) e acabam comprando movidos pelo desejo, emoções,
busca de status ou deixam que a faixa de preço decida as opções.
Considerando esse cenário, o nosso objetivo é apresentar um
plano de orientação
para conciliar todos esses aspectos, respeitando o perfil de cada um.
Vale lembrar que não preconizamos “receitas” aplicáveis a todos
justamente porque respeitamos as diferenças individuais.
Assim, esperamos que este texto não seja interpretado como algo
inflexível, até porque sempre estamos abertos ao aprendizado contínuo,
acreditando no aperfeiçoamento constante. Participe da discussão e deixe
sua opinião.
O
guia de referência para escolha do seu carro, considerando o que temos observado e aplicado no nosso trabalho de consultoria automotiva pessoal é o seguinte:
1º Passo – Análise da necessidade
Após décadas de marketing pesado, muitos se esqueceram de que os bens
que adquirimos devem, em primeiro lugar, suprir nossas necessidades.
Dessa forma, precisamos voltar a ter esse foco para realizarmos compras
conscientes. Para tanto, o autoconhecimento é muito importante.
“Muitas vezes, observando a quantidade de objetos à venda, Sócrates dizia a si mesmo: ‘Quantas coisas me são desnecessárias!’” – Diógenes Laércio
Lembrando dos nossos exemplos pitorescos do início, se você precisa
apertar parafusos, deve obter uma chave de fenda. Obviamente, um martelo
não resolverá o seu problema.
Focando no mercado automotivo, deve-se inicialmente pensar na
razão para comprar o carro.
- Quais são as necessidades que serão atendidas com aquela ferramenta de transporte?
- Como será usado? Rodará bastante? Em quais tipos de vias?
- Transportará muitas pessoas e bagagem?
- Qual tipo de carroceria e tamanho são ideais?
- O modelo escolhido tem boa durabilidade?
- Existe facilidade de manutenção desta marca na região?
- O carro é seguro?
- Se você transportará crianças, já sabe se o veículo possui o sistema Isofix para fixação das cadeirinhas?
Enfim, esses são apenas alguns itens de uma imensa lista que deve ser
analisada antes de escolher o carro. Isso permitirá que você fique mais
tempo com o veículo, o que também é interessante financeiramente.
Exemplo ilustrativo simples: um pequeno empresário
precisa de um veículo para transportar carga no seu negócio, mas que
também seja interessante para o lazer com sua namorada. Depois de
analisar suas necessidades, a escolha é uma caminhonete média com cabine
simples.
2º Passo – Análise Financeira
Agora que você já sabe quais são as características necessárias no veículo, é hora de avaliar a questão financeira. Note que
partimos da necessidade e depois chegamos às finanças.
Isso porque entendemos que não é adequado pensar:
“Tenho R$ 80 mil: será que compro um sedã médio, um hatch compacto de imagem, um SUV 4×4 ou uma caminhonete usada?”.
Observem que são veículos totalmente diferentes e com características e
propostas peculiares. Antes de tudo, saiba o que quer para evitar essa
confusão extrema.
Lembrando dos nossos exemplos iniciais, pensar dessa forma equivale a
comprar o tênis maior do que o necessário ou ficar em dúvida sobre
roupas que têm finalidades muito diferentes.
Seguindo em frente nas finanças, é interessante verificar qual é o limite que você pode gastar (ou financiar) no
Preço de Compra. Para definir esse teto, lembre-se de deixar uma
margem de segurança
para algumas despesas adicionais, como as referentes ao emplacamento no
caso dos zero quilômetro. Para os usados, essa margem deve ser maior
para contemplar custos com transferência e eventuais reparos
necessários.
Mas sempre se lembre de que
o Preço de Compra é apenas UM dos itens da Estrutura de Preços dos carros. A segunda ação é justamente pesquisar para ter uma ideia de quanto aquele determinado veículo pode
impactar no seu orçamento, principalmente considerando as despesas efetivas mensais e anuais. Para ter noção desses custos, acesse nosso artigo
“Carros: conheça a (caríssima) Estrutura de Preços no Brasil”.
Como já dissemos, essa Estrutura, embora aplicável a todos os veículos, apresenta
números muito diversos de carro para carro,
considerando as especificidades de cada modelo. Além disso, carros do
mesmo segmento e com preços de compra parecidos também podem apresentar
números bem diferenciados.
Por exemplo, às vezes um carro, que tem o preço de compra um pouco
mais alto, acaba compensando o investimento ao longo do tempo por
apresentar boas condições financeiras de seguro, desvalorização, consumo
e custo de manutenção. Enfim, tudo vai depender de muita pesquisa.
“Ah, chequei às minhas necessidades, mas agora descobri que não
tenho o dinheiro suficiente para comprar ou financiar o carro de que
preciso?”. Nesse caso, vale
abrir mão de algumas coisas menos importantes ou pensar na compra de um veículo usado, desde que em ótimas condições de uso e conservação.
Pela nossa experiência trabalhando também na localização de anúncios
de carros usados de qualidade, podemos afirmar que, com paciência e
pesquisa, é possível encontrar bons veículos. Por fim, novamente
ressaltamos que não é aconselhável economizar comprando carros de má
qualidade e inseguros.
Exemplo ilustrativo simples: continuando o caso do empresário, ele pode pagar até R$ 65 mil e, digamos, suportar despesas de até R$ 2.500 mensais.
3º Passo – Análise da qualidade e segurança do carro
“Os níveis de segurança dos carros mais populares da América do
Sul ainda estão vinte anos atrasados em relação aos veículos utilizados
na Europa e América do Norte”, diz Max Mosley ex-presidente da FIA e atual presidente do Global NCAP.
Esse é um tema de grande importância e será tratado com mais detalhes
num artigo específico. No momento, gostaríamos de ressaltar a nossa
visão de que a compra de carros seguros deve ser prioritária. Isso
porque entendemos que
os valores “vida” e “saúde” estão acima de todos os outros.
Para essa análise, é importante saber os resultados do carro em
crash-tests, como se comporta a sua estrutura de deformação e checar
quais são os itens de segurança passiva e ativa disponíveis.
Adicionalmente, para uma compra inteligente, outros aspectos devem
ser analisados, como a qualidade e modernidade do projeto, o desempenho,
as características do motor, câmbio e suspensão, entre outros.
Exemplo ilustrativo simples: depois de ter acesso à
análise das opções no mercado, o nosso empresário conclui que há duas
caminhonetes bacanas no segmento, com projetos novos e que obtiveram
boas notas nos crash-tests internacionais.
4º Passo – Seus desejos e a emoção
Percebeu que nesse item não há a palavra “análise”? Pois é, agora que
sua mente analisou todos os aspectos anteriores e você chegou até aqui
com alguns modelos no radar, é hora de ouvir o
seu coração e sua intuição.
A vida não pode ser apenas racional e as nossas emoções e gostos
também devem ser valorizados (não hipervalorizados infantilmente,
frise-se). Beleza, cores e sensações não podem ser deixadas de lado.
“A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla.” – David Hume
Nesse momento, é hora de apreciar o design externo, interno e tudo
aquilo que faz você se sentir bem e gostar daquele modelo. Também cabe
valorizar características que são legais simplesmente porque você
“curtiu”.
O lado emocional está aqui, em caráter complementar, em função da
realidade que temos no Brasil, onde muitos carros não têm níveis de
qualidade e segurança satisfatórios, além de serem os mais caros do
mundo. Por conta disso tudo, percebe-se como são problemáticas as
rotineiras compras impulsivas baseadas apenas em alguns elementos
sentimentais.
Lembram do exemplo do começo sobre o martelo com os adesivos? Você
acha que esses apetrechos alteram em alguma coisa a qualidade e o uso da
ferramenta? Parece óbvio que não, certo? Pense nisso em relação aos
carros e evite compras movidas
apenas por coisas sem sentido.
Claro que, se você conciliou os passos anteriores e ainda pode ficar
com um carro com acessórios e emblemas bacanas, siga em frente e seja
feliz.
Exemplo ilustrativo simples: nosso empresário
finalmente escolhe a sua caminhonete preferida, que é mais bonita e tem
mais itens de série do que a rival. Além disso, conta com piloto
automático, algo que ele sempre quis.
5º Passo – Status e imagem do carro
Por fim, este não deveria ser um passo na nossa visão. Simplesmente porque
você não é o carro que possui.
Escolher um bem pensando no que os outros vão pensar é algo que não
possui um fundamento plausível se pensarmos de forma consciente.
“Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou
pelos bens que possui; o verdadeiro valor do homem é o seu caráter,
suas ideias e a nobreza dos seus ideais.” – Charles Chaplin
“Ah, mas no Brasil carro é status”. Sim, sabemos disso. Mas,
você acha que isso é algo bacana, sustentável e que deve ser
perpetuado? Lembre-se de que esse é um jogo competitivo sem fim e você
estará sempre lutando para manter-se com uma “boa imagem”.
Nesse ponto, lembramos que os carros, em muitos casos, são vistos
como “bens posicionais”. Esse termo econômico é usado para designar bens
demandados não pelo uso e sim pelo status que proporcionam em termos de
posição social.
Novamente, atente:
o consumo nessa hipótese está desvinculado do bem e de você, porque é orientado para satisfazer expectativas dos outros.
Perceba que comprar um carro esportivo não o torna um esportista. Assim como comprar um martelo com o adesivo
“Adventure Sport”
não o torna um atleta radical. Novamente, o autoconhecimento e os
valores individuais devem ser relevantes para pautar suas escolhas.
Mas, como já dissemos, evitamos radicalismos e sabemos que existem
determinadas pessoas que, pela profissão que exercem, precisam de um
carro que transmita status como ferramenta de marketing. Nesses casos,
se o veículo serve para alavancar sua renda, leve esse fator em conta,
mas evite exageros que possam comprometer suas finanças.
Finalmente, é claro que, se depois de todos os passos anteriores,
você conseguir chegar a um carro com uma imagem bacana, não há nada
errado nisso. Aliás, é ótimo e curta sua nova conquista. Apenas não
inverta a ordem do que realmente importa para a
SUA vida.
Conclusões
Dentro do possível e respeitando-se o perfil de cada pessoa, podemos
comprar carros conciliando as necessidades, as finanças, a qualidade e
segurança do veículo, os desejos e emoções e ainda ter um veículo com
uma imagem legal.
Vale lembrar, no entanto, que não há carro perfeito, sendo necessário
aceitar alguns pontos menos relevantes que não poderão ser
contemplados. Reiteramos que o objetivo do artigo era traçar um
guia de referência
para você usar da maneira que julgar mais conveniente. Dessa forma,
aumentam suas chances de evitar arrependimentos que podem custar caro em
todos os sentidos.
Portanto, conheça a si mesmo, planeje, defina suas prioridades,
pesquise e escolha com inteligência automotiva e financeira. Se as
orientações apresentadas forem úteis para esses propósitos, ficaremos
muito contentes de contribuir com o seu sucesso pessoal e patrimonial. Obrigado pela atenção e até a próxima.
Fonte! Chasque de Leandro Mattera, publicado no sítio DINHEIRAMA, no dia 02 de outubro de 2012. Abra as porteiras: http://dinheirama.com/blog/2012/10/02/voce-compra-seu-carro-por-necessidade-status-ou-pelo-preco-ou-tudo-isso/.
Mais informações
Fundador e Consultor Automotivo na CARRO E DINHEIRO
– Consultoria Automotiva Pessoal. Acompanha os setores automotivo e
financeiro há mais de 12 anos por meio de experiência, pesquisas e
contatos com profissionais. É palestrante sobre o tema “Seu Carro e seu
Bolso”. No Twitter: @carroedinheiro. No Facebook: facebook.com/carroedinheiro
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